O Celeiro de Craques
- Mateus Santos
- 3 de abr. de 2021
- 4 min de leitura

O futebol de várzea sempre foi muito popular entre os amantes de futebol, sendo para muitos considerado a essência do esporte. A várzea é um dos principais caminhos para os jovens mais pobres que moram em periferias se tornarem jogadores profissionais de futebol, mas para muitos, participar deste tipo de futebol é apenas uma diversão, sem a pretensão de seguir uma carreira. Conhecido mundialmente por revelar grandes jogadores do futebol, como por exemplo, o pentacampeão com a seleção brasileira, Denilson; o lateral-direito e multicampeão por onde passou, Cafu, e mais recentemente, o atual atacante da seleção do Brasil e do Manchester City, Gabriel Jesus. Em contrapartida, hoje em dia o chamado “Celeiro de craques” perdeu muito espaço, não revela mais tantos bons jogadores como antigamente, e isso também se deve ao aumento da estrutura que os times profissionais estão investindo na base. Mesmo com a diminuição da revelação de grandes jogadores, o futebol na periferia continua tendo um papel muito importante na formação de jovens. O esporte ajuda a manter os adolescentes longe dos crimes, e por isso ainda é muito importante na formação dessas pessoas.
Com o passar dos anos, a várzea acabou sofrendo mudanças, principalmente naquilo que sempre foi considerado a maior característica deste jogo: os campos de terra, ou como é popularmente conhecido, “terrão”. O terrão está cada vez menos presente nas partidas de fim de semana dos campeonatos de futebol amador, e estão sendo substituídos pelos campos de society ou grama sintética, melhorando a qualidade dos jogos. Apesar do passar do tempo, a integração social que o futebol de várzea proporciona para as pessoas continua a mesma, estimulando cada vez mais os jovens a se manterem firmes em seguirem seus sonhos, e também os mantendo mais longe do mundo do crime. É isso o que pensa Bruno Borba. O jovem de 18 anos ao ser perguntado sobre o impacto que o futebol de várzea tem sobre as pessoas que moram nas periferias, ele respondeu: “Para que as crianças da periferia tenham um futuro melhor. Para que não se envolvam com drogas e assaltos”. Questionado sobre se o futebol amador ajuda a alimentar os sonhos dos adolescentes, o entrevistado disse que “sim, porque os jovens podem ter um bom hobby para tentar futuramente”. Bruno, que depois de jogar em alguns campos de terra, e hoje está no clube AABB-SP (Associação Atlética Banco do Brasil-São Paulo), ao ser perguntado sobre a importância de sua passagem no futebol de várzea, ele respondeu: “Uma lição de vida, porque você não tem tudo em mãos, se tem um sonho, você tem que ir atrás”.
Corroborando a importância do futebol de várzea na formação de um jogador profissional, Roberto Rivellino (ex-jogador de futebol do Corinthians, Fluminense e Al-Hilal, além de campeão mundial com a seleção brasileira) falou em uma entrevista exclusiva sobre como o futebol do terrão faz falta hoje em dia: “A várzea me revelou, foi lá que eu comecei. E é uma pena que isso tenha diminuído. É um pecado você não ter mais muitos espaços para jogar bola despretensiosamente e se divertir. Hoje é tudo uma selva de pedras. E isso também é refletido no futebol, com essa carência de jogadores de qualidade.” O ex-jogador é um defensor aberto do futebol de várzea, mesmo que também seja a favor de campos de treinamento profissionais para jogadores.
Perguntado sobre como a várzea afetou diretamente na sua formação, Rivellino foi categórico: “A tudo. Toda a malandragem que eu tinha — no bom sentido — trouxe de lá. E não só no mundo do futebol, mas também me ajudou na vida como um todo. Me ajudou a enxergar pessoas maldosas, a fazer amizade com as certas.” Roberto também destaca a importância de sua escolinha de futebol. Apesar de ser algo muito mais profissional do que os famosos terrões, o ex-jogador deixa claro que trouxe muito de seus ensinamentos de seus tempos de frequentador de futebol de várzea para sua escolinha. O entrevistado também esclarece que os campos da escolinha não funcionam apenas para as crianças e os adolescentes jogarem bola, há também uma tentativa de educar, assim como havia no futebol de várzea — mesmo que neste fosse de uma maneira muito mais indireta. “As coisas que aprendi, a maneira como vivi nos celeiros de craques, eu sempre tento passar para as crianças aqui”, complementa o campeão mundial com o Brasil.
Da mesma forma que o futebol de várzea é importante para a integração dos jovens, o futebol jogado nas quadras de parques públicos também é. O futebol nos parques permite que as pessoas sem condições de alugar quadras ou se associar a clubes privados, também tenham a oportunidade de praticar esporte, e como no futebol amador, proporciona ao jovem a chance de seguir um sonho e se manter longe dos crimes. Os jovens e também os adultos que frequentam as quadras de futsal do Parque do Ibirapuera, por exemplo, levam tão a sério as partidas disputadas, que em todas as terças-feiras e quintas-feiras de cada mês, esses dias são conhecidos como “Dia de Libertadores”, pois os jogos são tão disputados quanto os do famoso campeonato.
São muitos os jovens que frequentam as quadras dos parques públicos, e esse é o caso de Javier Arandia, de 18 anos. Ao ser perguntado sobre qual o principal motivo para querer jogar nas quadras de parques, ele respondeu: “Pelo desinteresse dos associados em clubes particulares na prática de esportes”. O jovem entrevistado também acredita que o futebol nessas quadras públicas incentiva os jovens a praticar esporte, além de entender que a importância do futebol em parques públicos consiste na “garantia de qualidade de vida para o público em geral”.
Portanto, ficou mais do que claro a importância do futebol amador para os jovens que não possuem recursos financeiros para se associarem a clubes ou terem melhores oportunidades de vida, seja em campos de futebol de várzea — os antigos “terrões” — ou nas quadras dos parques públicos. Sendo assim, cabe aos políticos e responsáveis, proporcionarem cada vez melhores condições para a prática do esporte em periferias e locais públicos, mas sem deixar a essência do jogo de lado, porque só quem já jogou na várzea, sabe a sensação de sair da partida com o uniforme sujo de terra.
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