Economia, ideologia e credibilidade
- Mateus Santos
- 3 de abr. de 2021
- 4 min de leitura

“Quando eu comecei como jornalista, as técnicas e as ferramentas eram completamente diferentes do que as que temos hoje”, é assim que Marcelo Cabral começou a entrevista coletiva, falando sobre as diferenças entre a práxis jornalística do início dos anos 2000 até hoje e os desafios de se manter atualizado atualmente, em meio a tanta informação. Com tantos canais de comunicação — youtubers, blogs, sites e até mesmo o clássico impresso –, é fácil se perder nas notícias e na veracidade delas. É nesse contexto de profusão dos meios comunicativos e a dificuldade de acompanhá-los e de averiguar sua veracidade que Marcelo fala sobre o momento atual do jornalismo, sua transição para o digital, sua polarização e a proliferação cada mais vez mais recorrente de ‘fake news’.
Audiência e credibilidade
O jornalismo dos últimos anos tem sido marcado por algo que as pessoas na internet costumam chamar de ‘caça-cliques’, muito utilizado por sites que se utilizam de notícias apelativas e extremamente sensacionalistas para atrair maior público e conseguir que o leitor clique na matéria e a leia. Nos dias de hoje, com matérias que falam sobre Caetano Veloso estacionando seu carro no Leblon, é difícil dissimular e conseguir estabelecer nitidamente a práxis jornalística íntegra do que simples caça-cliques. Marcelo comentou rapidamente sobre o assunto, dizendo que não tem uma resposta concreta para como conciliar audiência a um conteúdo de qualidade e não apenas apelativo.
Alguns desses sites caça-cliques são os donos das maiores audiências e com maior número de leitores diário, entretanto, para Cabral, é difícil responder se essa audiência está inteiramente atrelada à credibilidade, por isso ele se reteve a dizer que para atingir essa credibilidade “é necessário um material de qualidade”. Mas Marcelo admite a dificuldade de um jornal pequeno ter mais reconhecimento e credibilidade do que um jornal grande como, por exemplo, a Folha de São Paulo. O jornalista ainda deixa uma dica para os que querem iniciar sua própria agência de notícias, seja com blog, youtube ou site próprio: “tem que construir essa credibilidade. Não acontece da noite para o dia. Acontece quando você dá uma informação verdadeira, correta e precisa ao longo do tempo, e as pessoas começam a reconhecer isso”.
Essa tentativa de conseguir mais cliques é, também, uma consequência direta do imediatismo do século XXI, com a falta de paciência para apurações mais aprofundadas. Marcelo aproveita para citar a apuração em tempo real, dizendo que quando você precisa pesquisar sobre algo que está acontecendo em outro país, e precisa fazer esse acompanhamento à distância, a qualidade e a credibilidade da informação sofrem, sem contar a quantidade de erros que é infinitamente maior. “Não tem muita escapatória, ninguém deixa de publicar algo mais rápido para uma maior apuração (…) depende do portal mesmo, alguns seguram a informação, outros soltam pelo clique”, emenda o jornalista.
Censura e corte de publicações
Muito se fala nos dias de hoje da censura — não discutida — de veículos jornalísticos, da maneira como jornais têm posições políticas implicitamente parciais e por isso não aceitam certo tipo de matérias. Marcelo comenta sobre o fato dizendo que “há momentos em que o chefe pode virar e dizer: ‘você não pode publicar isso’? sim, e você não pode fazer nada”. Entretanto, Cabral diz que isso acontece — surpreendentemente — em veículos menores. Em sua trajetória, conta o jornalista, os jornais pequenos foram sempre os que o mais censuraram, enquanto que os grandes veículos noticiosos valiam-se da qualidade da informação e da confiabilidade no jornalista.
Nostalgia
Não há dúvidas, hoje em dia, que o jornal impresso já não é o meio de comunicação mais utilizado como fonte de informação, sendo substituído pelo mundo digital e os veículos comunicativos mais acessíveis que ele disponibiliza. A partir disso, Marcelo Cabral comenta sobre a falta de mudança dos jornais impressos, caracterizando a posição de tais como inerte ao não proporem nada novo. Cabral diz que “todos sabem a notícia, falta — por parte dos jornais impressos — uma análise, algo diferente”. O jornalista se refere ao fato de que, atualmente, as notícias são frescas no mundo digital, fazendo com que as matérias do impresso sejam apenas redundantes, até mesmo contribuindo para a falta de compradores de impressos. Marcelo defende a ideia de que esses jornais poderiam apresentar análises das notícias que já foram lidas durante o dia pela internet. Não só isso, mas também a criação de artigos do tipo ‘o que esperar’ a partir de determinada notícia.
Além disso, atualmente o jornalismo vive um período de transição, em que cada vez mais esses jornais impressos parecem estar se tornando obsoletos e relíquias do passado. Perguntado sobre o fim do papel — mais especificamente, sobre o fim das notícias impressas –, Marcelo disse pensar que o papel não se extinguirá, mas vai acabar virando um nicho bastante particular para saudosistas como ele e o professor Celso Unzelte. O convidado ainda aproveitou a deixa e explicou porque o papel não será nada mais do que um tipo de coleção na casa de tradicionalistas: “o digital faz mais sentido porque é mais barato para as empresas. Para você ter ideia, tem empresas que precisam transportar seus jornais de avião (…) e isso é bastante caro”, comenta Cabral.
Ideologia e maniqueísmo
Durante o curso de jornalismo, uma das afirmações mais ditas em sala de aula é sobre a imparcialidade ser um mito, que na verdade, todo texto é carregado de subjetividade e influências, mesmo que muito bem escondidas. Marcelo, que se considera alguém com ideias mais congruentes com a ideologia da esquerda, comentou um pouco sobre como consegue manter sua ideologia afastada do trabalho: “Ao longo da profissão [referindo-se ao jornalismo], nos tornamos céticos em relação a ambos os lados. Sou mais à esquerda, mas sou mais rigoroso com a esquerda do que com a direita”, afirmou o jornalista, que disse que o segredo para manter-se — ou pelo menos tentar — imparcial é ser mais severo com o lado que você apoia. “Façam uma lista de dez motivos por que vocês estão errados”, emendou Cabral dizendo que as pessoas precisam primeiro entender os pontos que tornam suas ideologias falhas.
Ademais, em um momento político de total bipolarização, em que a corrupção assola praticamente todos os partidos, e mesmo assim as pessoas insistem em defender uma figura política ou um partido específico, Marcelo Cabral comenta sobre o recorrente maniqueísmo dentro do jornalismo: “temos o costume de olhar a árvore e não a floresta”, afirma o convidado fazendo referência ao fato de que em muitas matérias tendenciosas, em uma tentativa clara de defender certo ponto da história, falta contexto e também a apresentação dos outros lados da narrativa.
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