Um Pedido
- Mateus Santos
- 4 de abr. de 2021
- 2 min de leitura

Lucas continuava chorando. O mesmo sofrimento de toda noite: seus pais continuavam com as discussões intermináveis que tinham todo dia. O garoto de apenas dez anos tentava se alojar embaixo de seu cobertor, em que tudo parecia mais calmo, ameno. Entretanto, o seu único modo de verdadeiramente escapar de tudo aquilo era outro. Era uma noite muito bem iluminada pelo luar, do jeitinho que ele gostava. Lucas foi até o parapeito da janela, abriu-a e fez o que sempre costumava fazer: ele pulou. Depois de menos de um segundo de queda livre, ele alça voo e navega pela noite infinita. O vento esvoaçando seus cabelos loiros, seu coração batendo freneticamente e as lagrimas secando, dando lugar àquele sorriso — aquele que só voltava a aparecer quando Lucas utilizava seus poderes.
As noites dos últimos oito meses da vida de Lucas foram exatamente como essa: ele saía, voava por algumas horas, voltava quando seus pais já estavam mais calmos e dormia. Na escola, sua vida também não estava nada fácil. Os garotos mais velhos, que insistiam em caçoar do garoto diariamente, não deixavam de atormentá-lo. Mas recentemente, ele tinha descoberto um jeito de acabar com isso. Ele só precisava fechar seus olhos de maneira bem forte no momento em que os socos vinham, pensar na imagem dos garotos sofrendo no chão, que ao abri-los, os garotos estavam se contorcendo caídos. Lucas nunca entendia muito bem isso, ele simplesmente o fazia.
Além desses momentos difíceis, o garoto passava suas tardes brincando que era Michael Jordan. Lucas tinha uma cesta no quintal e era bastante estranho o fato de um moleque de sua idade conseguir enterrar numa cesta com 2,20 m de altura. Mas ele estranhamente conseguia. Nesse ínterim, as discussões familiares continuavam. Depois de mais alguns bons meses, uma discussão em particular acordou o adolescente no meio da noite. Lucas usou mais uma vez — inconscientemente, como de praxe — seus poderes: ele desejou que sua mãe tivesse um bebê. Sem conseguir explicar como, oito meses depois sua mãe deu a luz a um bebê prematuro, mas saudável.
Entretanto, apesar dos bons momentos de Lucas com seus poderes, conforme seu irmão crescia ele reparou que seus poderes se esvaíam. Ele se deu conta disso pela primeira vez quando tentou alçar voo e não conseguiu. Depois quando um homem tentou assaltá-lo. E por fim, quando magicamente não conseguia mais enterrar na cesta, ou ao menos chegar perto disso. Claro que ocasionalmente os poderes vinham à tona, mas era realmente bem raro.
Até que um dia ele acordou, um pouco mais animado, desceu as escadas em direção à sala e recebeu uma boa surpresa: seus pais, agora há muito divorciados caminhavam em sua direção, acompanhados por seu irmão mais novo, com um grande bolo e várias velas no topo. “Feliz dezoito anos, Lucas”, disse sua mãe extasiada. O garoto — que já não era mais tão garoto — assoprou as velas e fez um pedido. Semicerrou os olhos, se concentrou e pediu: ele desejou a infância de volta, afinal tudo passara tão rápido.
Nada acontecera.
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