WandaVision: Um Retrato Atemporal Sobre Luto
- Mateus Santos
- 5 de abr. de 2021
- 5 min de leitura

"O que é o luto, se não o amor que perdura?"
Esta frase é dita por Visão durante um dos episódios de WandaVision e talvez seja a melhor definição do que se trata a série, além de mostrar como a Marvel planeja lidar, a partir de agora, com seus produtos audiovisuais. O seriado se passa algumas semanas depois dos eventos de Vingadores: Ultimato e acompanha uma realidade esquisita e misteriosa, em que Wanda e Visão estão vivendo dentro de uma Sitcom do século 20, acompanhando seu dia a dia e sua convivência com o restante dos moradores da cidade de Westview.
A série é o primeiro produto do estúdio ao apostar no serviço de streaming Disney+, iniciando uma nova forma de contar suas histórias. Se antes o natural era acompanharmos os personagens por cerca de duas horas e depois esperar o próximo filme sair, agora esses arcos duram aproximadamente seis horas, o que permite um desenvolvimento muito mais interessante dos personagens.
E é justamente este o papel de WandaVision: desenvolver e contar, de forma mais elaborada, a história dos seus dois protagonistas, especialmente a de Wanda Maximoff.
Por mais que Kevin Feige, o grande chefão da Marvel, tenha usado esta série como um prólogo para Doutor Estranho 2 (afinal, os filmes e séries servem ao Universo Cinematográfico Marvel e não o contrário), acredito que WandaVision tem uma importância muito maior quando vista e contemplada de forma individual.

Claro que é legal as pessoas se animarem sobre como isto se conecta com o restante das séries e dos filmes, mas uma das magias de boas histórias está na capacidade de ter um começo, um meio e um fim, e, dentro deste ciclo, contar uma boa história. WandaVision faz isso melhor do que qualquer filme do Universo Marvel, justamente pelo tempo extra que tem - talvez a única exceção seja o primeiro filme do Homem de Ferro.
Conhecemos muito mais das origens de Wanda, para além daqueles poucos minutos de explicação que tivemos em Era de Ultron. Até agora, a Feiticeira Escarlate (título que ela não assumiu em nenhum dos filmes) era basicamente uma coadjuvante de luxo. E é exatamente isto que esta série e todas as outras por vir oferecem: um olhar mais profundo para personagens extremamente intrigantes, divertidos e complexos - o que não era possível até agora, porque os coadjuvantes ficavam à mercê e eram sobrepostos pelo protagonismo do Homem de Ferro, Capitão América, Thor e Hulk.

Portanto, durante as seis horas da série, divididas em nove episódios, vemos um novo lado de Wanda, algo que vai muito além do que apenas a garota que começou a saga detestando Tony Stark e, com o passar do tempo, se tornou a feiticeira do grupo, envolvida em um romance com um Humanoide. Não, Wanda Maximoff é muito mais complexa do que isto.
Durante o seriado, somos apresentados às dores mais profundas que a personagem enfrenta, às memórias mais difíceis de serem apagadas e a todos os seus traumas. É a primeira vez que uma história do Universo Marvel não foca nos poderes ou nas habilidades dos seus heróis. Isso tudo faz parte apenas do contexto de WandaVision. O foco aqui é o lado humano da heroína. É basicamente um estudo de personagem - muito parecido com o que fizeram com o filme do Coringa.
O seriado é um refresco para o Universo Marvel em todos os sentidos, explorando novas temáticas, novas formas de contar uma história e, principalmente, dando a devida importância a personagens femininas. Wanda sempre foi a personagem mais poderosa dos filmes, pelo menos do lado dos heróis, e isto sempre ficou no plano secundário para dar mais atenção a Tony Stark, Steve Rogers e Thor.

Mas, acima de tudo isto, a grande vitória de WandaVision e da Marvel está na forma como conseguem contar esta história e deixá-la totalmente relacionável. Nunca antes em um filme da Marvel foi tão fácil se identificar com uma personagem.
O foco reside completamente no luto da protagonista e nas suas tentativas de apagar a dor.
Tudo que acontece na série é, de alguma forma, ligado ao luto de Wanda. As lutas cinematográficas, o prelúdio a Doutor Estranho e a chuva de teorias que surgiram acerca de aparições de grandes personagens são totalmente alheios ao verdadeiro foco da série, que é explorar a dor de uma humana.
Talvez esta seja a grande conquista da Marvel com WandaVision: a capacidade de entregar cenas grandiosas, conectar o produto ao restante do universo, mas, mesmo com tudo isso, passar uma mensagem realmente significativa.
O Multiverso, que é um termo que foi muito mencionado pelos fãs durante a exibição da série, está em segundo plano. O mesmo vale para as pistas que o seriado deixa para o futuro da Marvel.
Mais importante do que isso é a mensagem certeira que os produtores da série deixam: o luto deve ser vivido. Não existem formas de adiar o sofrimento ou de amenizá-lo, porque, no fim das contas, ele sempre retorna. O único jeito de seguir é em frente é se permitir sentir, sem apressar o processo de cura. WandaVision mostra isso muito bem, além de exemplificar as consequências psicológicas de alguém que guarda para si mesmo toda a dor.
Wanda Maximoff não é só uma super-heroína nesta série. Ela é a representação de alguém que acabou de perder uma pessoa amada e não sabe como reagir a isso. Não sabe como seguir em frente. Wanda não é uma figura distante e divina, mas é uma humana comum que, assim como todos nós, não tem nenhuma fórmula secreta para que o sofrimento seja atenuado. Nem mesmo seus poderes de alterar a realidade ajudam nisso. Luto é universal e nem mesmo a personagem mais poderosa da Marvel consegue acelerar o dela, então imagine nós!

E, por fim, é um processo atemporal. A brincadeira da série de mostrar a Sitcom de WandaVision ao longo de várias décadas tem sentido na história, por conta das origens da família Maximoff, mas, além disso, também mostra que certos sentimentos, certos processos, não mudam com o passar dos anos. O sofrimento de Wanda é o mesmo nos anos 70, 80, 90, 2000 e assim por diante. Porque, afinal, o amor permanece o mesmo, independentemente da ausência da pessoa amada. O luto sempre vai existir enquanto o amor perdurar.
WandaVision se mostra claramente como um dos melhores produtos já feitos da Marvel, dando os primeiros passos para uma nova forma de storytelling dentro deste universo. Além de um ótimo prelúdio para Doutor Estranho 2 e Homem-Aranha 3, a mini-série (não teremos uma segunda temporada) é um ótimo início para uma fase completamente nova dessas histórias. Talvez agora a grandiosidade e a busca pelo épico permaneça apenas nos filmes e, dentro destas curtas séries, possamos ver mais disso: roteiros complexos, temas profundos e estudos de personagem.
E quem sabe, vez ou outra, um seriado como este, que nos relembre o que significa amor e nos ajude a entender que o luto precisa ser vivido. Podem ser apenas filmes e séries de super-heróis, mas nós sabemos que eles também podem ser muito mais do que apenas isso.
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