Liga da Justiça de Zack Snyder: Visionário ou Maluco?
- Mateus Santos
- 5 de abr. de 2021
- 7 min de leitura

"Ele disse que você viria. Agora vamos esperar que você não esteja tarde demais"
Esta é uma frase do Alfred durante a Liga da Justiça de Zack Snyder, quando ele está conversando com o Superman, que acaba de voltar dos mortos. Mas, indo mais além, acho que este trecho em específico do diálogo resume bem a sensação que o filme passa como um todo. Os fãs sempre souberam que esta versão estava a caminho, e agora eles esperam que ainda haja tempo de continuá-la.
A chegada desse filme é uma vitória para todo fã de cinema — quer as pessoas amem ou odeiem a visão de Zack Snyder. Isso porque esta versão do diretor é fruto da vontade do público e do desejo das pessoas de verem como continua (ou termina) a trilogia que o diretor iniciou em Homem de Aço. Nunca antes na história houve um movimento tão forte a favor do lançamento de uma versão do diretor e jamais houve algo remotamente parecido com esse lançamento.
Claro que existem algumas exceções, como Blade Runner, que teve um Corte do Diretor lançado fora dos cinemas, chegando apenas com o DVD e que também é considerado como a versão "oficial". No fim das contas, o que os dois filmes têm em comum é uma batalha de bastidores entre a visão do diretor contra a visão do estúdio — elas nem sempre coexistem.
Porém, o novo filme da DC (se é que pode ser chamado de novo) não apresenta apenas uma ou outra cena diferentes do filme originalmente lançado em 2017, mas um filme completamente novo. Sem exagerar, das 4 horas inteiras, acho que pelo menos 3 horas e meia são de material inédito. Ou seja, você pode odiar a filmografia do diretor, mas você precisa respeitar e comemorar a realidade deste filme ser lançado.

Contextualização
Zack Snyder lançou dois filmes pela DC: Homem de Aço e Batman Vs Superman — A Origem da Justiça. Nenhum dos dois teve uma aceitação generalizada por parte do público, o que criou um sinal de alerta dentro da Warner Bros., produtora que detém os direitos dos heróis da DC. Apesar disso, eles deram sinal verde para que o diretor produzisse a continuação: Liga da Justiça.
Em 2017, tudo andava dentro dos conformes, mas o sucesso dos filmes da Marvel (seguindo um sub-gênero que aposta mais no humor e com um direcionamento mais familiar e otimista) complicou as coisas para Snyder, porque a Warner queria que ele copiasse a fórmula Marvel — o que, obviamente, não deu certo.
Na mesma época, o diretor precisou lidar com uma questão pessoal, além da constante pressão do estúdio para produzir um filme mais piegas, cômico e colorido. Por conta disso, ele optou por se afastar da produção de Liga da Justiça. Quem assumiu foi Joss Whedon, diretor dos dois primeiros Vingadores, e o resultado foi desastroso.
Então, nesse meio tempo, os fãs marcaram presença e trouxeram diretamente do reino dos mortos o famoso Snyder Cut, que tem 4 horas de duração, divididas em seis capítulos e um epílogo. E, meu Deus, como valeu a pena!

Deuses Humanos
A primeira questão que fica evidente logo de cara é a forma como Snyder busca estabelecer uma mitologia divina. As muitas horas de filme, que mais parece uma mini-série, permitem que os personagens tenham arcos muito bem desenvolvidos e que exista uma relação de identificação com cada um deles. Batman, Superman, Mulher-Maravilha e Aquaman não tanto, porque eles já tiveram o tempo deles em outros filmes. Mas isso acontece bastante com Flash e com Ciborgue.
A apresentação individual do arco dramático deles não serve apenas para que os personagens tenham mais profundidade, mas demonstra muito bem a complexidade inerente a cada um. A mitologia que Zack Snyder está estabelecendo neste filme é sobre heróis que são deuses entre nós. O Superman é o principal e mais poderoso deles, é claro, mas cada um dos membros da Liga da Justiça é exposto como uma figura divina e, mais do que isso, uma figura divina quebrada.
A humanidade destes personagens mora nas suas falhas, nos seus dramas, e na complexidade aliada a seus arcos pessoais que, de alguma forma, se entrecruzam. O que une esses heróis não é apenas a necessidade de proteção da Terra, mas o fato de que todos eles estão quebrados por dentro.
O Batman é o símbolo do pessimismo mais claro, totalmente desacredito; a Mulher-Maravilha tem mais de 5 mil anos e já perdurou ao que há de pior na humanidade; o Aquaman tem um passado obscuro e traumático, envolvido com muita renegação e exclusão do seu mundo; o Ciborgue perdeu sua mãe, seu corpo, sua vida e todos os seus sonhos; o Flash também não tem mãe e seu pai está preso injustamente, o que o deixa completamente sozinho no mundo; e, por último, o Superman está morto, mas, antes disso, ele já tinha perdido toda sua família de Krypton, depois perdeu seu pai na terra e, durante os últimos dois filmes, ele não consegue encontrar seu propósito por aqui.
A mensagem de Zack Snyder é muito clara: eles são deuses quando colocam suas máscaras e seus uniformes, mas, em um âmbito pessoal, eles são os personagens mais humanos que existem — recheados de complexidades, problemas, dúvidas e dores. São super-heróis, mas quando tiram a capa, são seres humanos que, assim como eu e você, estão buscando seu lugar no mundo.
Mas o melhor de tudo é que Snyder apresenta tudo isso sem cair no pessimismo de Batman vs Superman. Naquele filme, os personagens são complexos da mesma forma, mas a mensagem otimista fica de fora do filme — até mesmo por conta do seu final mórbido e desesperançoso, seguindo a ideia de um gancho para a continuação.
Neste, vemos até mesmo versões de um pesadelo futurístico, desprovido de qualquer noção de otimismo, mas a mensagem do filme vai muito além disso e reitera que a esperança vive na possibilidade de mudar as coisas para melhor e também na possibilidade de sermos quem nós quisermos.
"Posso ser como você quando eu crescer? Você pode ser quem você quiser"

A Visão de Zack Snyder
Acredito que a grande questão acerca de todo o Snyder Cut resida nas diferentes visões que as pessoas têm acerca do universo criado por ele. Homem de Aço tem um final extremamente polêmico e Batman vs Superman tem um filme inteiro de polêmicas. Uma coisa é fato: assistir aos filmes de Snyder dentro da DC não é uma experiência desprovida de ambiguidade e, pessoalmente, eu acho que esta é justamente a questão. A ideia dele nunca foi contar uma história que agradasse ao público geral e que seguisse tendências de mercado.
Isso fica evidente nas suas escolhas muito particulares na parte visual dos dois filmes anteriores, na fotografia, na forma como ele filma as cenas de batalha, no jeito como ele retrata seus heróis e, especialmente, na sua forma de contar histórias.
Zack Snyder parece muito mais interessado em explorar a dualidade dos seus heróis — até o mais santo deles — do que em desenvolver uma história que mostre apenas seus bons feitos ou elaborar uma construção paulatina de um universo cinematográfico. O grande problema de boa parte dos fãs em relação ao diretor está na visão que ele tem das coisas.
Entretanto, eu vejo a realização de uma obra que destoa completamente do que o mercado tem oferecido e, além disso, uma que não tem medo de quebrar paradigmas e visões pré-estabelecidas ou contar novas histórias que possam ir além do que já foi contado em outras mídias.
A comunidade nerd, a mais fervorosa ao acompanhar o Universo Marvel e DC, tem sempre grandes problemas com aquilo que foge ao comum e talvez seja por isso que Zack Snyder tem tanta dificuldade de emplacar um filme que seja de gosto comum entre pessoas diferentes. A Marvel se tornou especialista nisso, com seus filmes pipoca, ações comedidas e tramas que ressoam quadrinhos e conseguem ir além, alcançando crianças, jovens, adultos e idosos.
Eu já estou satisfeito com os filmes da Marvel, então recebo de braços abertos a visão ambígua, épica, polêmica e complexa que Snyder apresenta. Ele claramente não é um diretor que consegue executar ideias de outras pessoas e as pessoas nem sempre precisam concordar com sua visão. Mas uma coisa é inegável: Zack Snyder não tem receio de subverter expectativas, de rasgar conceitos já estabelecidos em outras mídias e de brincar com as infinitas possibilidades.
Não é à toa que seu Superman tem tons tão sombrios. E isso não significa que ele seja um personagem pessimista. Significa apenas que ele é complexo, como todo humano. O otimismo segue muito presente na trilogia criada por Zack Snyder, ela só está extremamente embaçada em meio à nuvem de conceitos que saem do escopo original.

Visionário ou Maluco?
No fim das contas, Liga da Justiça de Zack Snyder é um filme maravilhoso. É tudo aquilo que o diretor tinha prometido, é uma continuação incrível e completamente arrebatadora. As 4 horas de duração valem cada segundo e passam muito rapidamente. É um deleite para quem já tinha gostado dos trabalhos anteriores do diretor dentro da DC, mas também é uma "redenção" de Snyder em relação a quem não tinha gostado dos outros dois filmes.
Sem se apegar à fórmula Marvel ou se entregar às tendências de mercado (e contínuos pedidos do estúdio), o filme é extremamente divertido, recheado de arcos bem desenvolvidos e personagens complexos, além de um show visual. As cenas de luta são muito bem coreografadas, o roteiro agrade bastante, cada herói tem seu momento de brilhar no filme e, durante toda a jornada, Snyder surpreende ao entregar momentos puramente épicos, sem perder o tom nenhuma vez.
É um longa que sabe expandir o universo criado até agora, trazendo personagens profundos e interessantes, e que, mesmo sendo sério, obscuro e intenso, sabe fazer piadas na hora certa.
O epílogo do filme é completamente desnecessário e fora de lugar, mas faz muito sentido vê-lo ali, especialmente considerando as circunstâncias. Neste momento, Snyder está tentando de todos os jeitos possíveis continuar seu universo — e eu tenho um palpite de que ele vai conseguir. Apesar disso, os diálogos do epílogo são os melhores de todo o filme e entregam uma das dinâmicas mais legais do SnyderVerso.
Polêmico, complexo, ambíguo, maluco e visionário. Liga da Justiça de Zack Snyder é tudo isso. E, respondendo à pergunta, o diretor realmente é um pouco maluco, mas este é o peso de ser tão visionário.
Agora começa a campanha para liberarem uma continuação, porque, depois deste espetáculo cinematográfico, o mundo precisa de Liga da Justiça 2. Apenas esperamos que não seja tarde demais.
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