A Cabana: Uma Visita ao Primeiro Amor
- Mateus Santos
- 8 de abr. de 2021
- 5 min de leitura

"Não sou um valentão nem uma divindade egocêntrica e exigente que insiste que as coisas sejam feitas do jeito que eu quero. Sou boa e só desejo o que é melhor para você. Não é pela culpa, pela condenação ou pela coerção que você vai encontrar isso. É apenas praticando um relacionamento de amor. E eu amo você".
É esta a frase que melhor resume a figura de Deus em A Cabana e toda jornada que Ele propõe ao protagonista, deixando a mesma missão para o leitor: tudo se baseia no amor. O livro de William P. Young é um dos maiores presentes da espiritualidade contemporânea na tentativa de entender a fundo a divindade e a verdadeira identidade de Deus.
A história acompanha Mackenzie Allens, um homem comum com uma família linda, bem estruturada e com certas raízes religiosas. Enquanto ele não se considera alguém muito conectado à instituição Igreja e seus ensinamentos, ele tem suas crenças firmadas sutilmente em Jesus. Mas tudo isso é abalado e dispensado por Mack depois que sua filha mais nova, chamada Missy, é assassinada brutalmente perto de uma cabana.
A partir disso, Mack mergulha em uma grande tristeza e perde perspectiva de tudo na sua vida, especialmente da noção de amor que Deus supostamente tem por ele. Isso, aliado a outros traumas do passado de Mack, em que ele era espancado pelo próprio pai, deixam o protagonista totalmente distante da crença de que Deus possa ser alguém amoroso.
Então, depois de receber um bilhete muito estranho, o convidando para ir à Cabana onde ele descobriu que sua filha tinha morrido, Mack acaba passando um fim de semana inteiro com Deus, Jesus e o Espírito Santo, aprendendo a largar mão de seus estereótipos, de sua rapidez em julgar os outros e da sua incapacidade de perdoar.
Dentro desse contexto, muito mais do que uma história cristã, A Cabana é sobre as boas novas do Amor e de como ele chega até nós.
"Quem disse alguma coisa sobre ser cristão? Eu não sou cristão. (...) Os que me amam estão em todos os sistemas que existem. São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas, republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer instituição religiosa. Tenho seguidores que foram assassinos e muitos que eram hipócritas. Há banqueiros, jogadores, americanos e iraquianos, judeus e palestinos. Não tenho desejo de torná-los cristãos, mas quero me juntar a eles em seu processo para se transformarem em filhos e filhas do Papai, em irmãos e irmãs, em meus amados"
Muito além de fazer parte de um clubinho seleto de alunos especiais e obedientes, Mack descobre, durante o fim de semana que passa com Deus, que o amor, a gentileza e a bondade ultrapassam qualquer nomenclatura - especialmente ocidental. O autor é muito sábio na forma como conduz a história, sem se colocar contra a parede para responder perguntas complicadas e que caem estritamente no campo da teoria.
Em vez disso, ele foca no único ensinamento de Jesus Cristo que está entremeado em todos os assuntos que ele falou enquanto esteve na Terra e que esteve presente em todas as suas parábolas, milagres e relacionamentos: amor. O Primeiro Amor. Aquele que é incondicional e que ultrapassa qualquer noção de julgamento, de punição ou coerção. O amor mais puro que existe, porque não exige nada de volta.
As falas de Papai, como Deus é chamado durante a história, esclarecem muito bem isso e universalizam os ensinamentos mais importantes que Jesus deixou para a raça humana. Em vez de focar em metáforas ambíguas e analogias que exigem cuidado na interpretação, William P. Young se baseia na única certeza concreta e na mais importante: Jesus morreu para que a Morte fosse vencida e o Amor fosse restaurado.
Até mesmo quando a história se encaminha para seus pontos mais polêmicos, abordando a suposta necessidade de julgamento, que segue uma visão completamente dualista de Deus, Mackenzie descobre que, acima do juízo, mora o Amor, que é mais forte. No fim das contas, a única certeza que há, quando se fala de espiritualidade e suas várias formas de retratação religiosas, é de que Deus é Amor - seja lá o nome que você dê para Deus.
Deus não tem o Amor como atributo ou como principal característica ou até mesmo como tendência padronizada. Não. Deus simplesmente é o Amor.
Tem uma frase muito interessante que uma vez ouvi de um sermão do padre Richard Rohr: "você se torna o Deus que você adora". Se você for um cristão tradicional lendo isso, peço que tenha paciência e não considere isso uma blasfêmia. A ideia é a de que se nós acreditamos que Deus é uma criatura punitiva, cruel, irada e um juiz inescrupuloso, então nos tornamos pessoas parecidas com essa figura. Agora se nós acreditamos que Deus é puro amor, misericórdia, generosidade e gentileza, então entramos no processo de nos tornarmos exatamente assim.
A lógica é simples e didática: se conhecer a Deus se baseia em ter um relacionamento com ele, então, com o passar do tempo, vamos nos tornar mais parecidos com Ele, assim como acontece com dois amigos que passam muito tempo juntos, que começam a se parecer no jeito de agir.
A Cabana explora exatamente isso. Mack inicialmente pensa que Deus é um juiz cruel e sanguinário que vai mandar a maioria das pessoas para o Inferno. Não é difícil de entender o motivo disso, especialmente considerando as origens do personagem, que sempre era castigado pelo seu pai por conta das próprias frustrações que tinha.
É um longo processo até que Deus mostre a Mack que Ele não é nenhum tipo de juiz. A cena mais emblemática no livro é quando o protagonista precisa se colocar na posição de juiz e definir o destino das pessoas com base em suas atitudes. A Sabedoria de Deus mostra para ele que é impossível que um pai puna eternamente um filho, ainda que ele tenha agido da forma mais cruel possível. Papai não ama as pessoas pelo que elas fazem, mas simplesmente por elas serem seus filhos.
E existem vários jeitos de chegar a essa conclusão:
"Isso significa que todas as estradas levam até você?
- De jeito nenhum (...) A maioria das estradas não leva a lugar nenhum. O que isso significa é que eu viajarei por qualquer estrada para encontrar vocês"
Por fim, a jornada de Mack termina com ele aprendendo que Deus é um Deus de perdão. E, como dito acima, você se torna o Deus que você adora. Isso está completamente presente no ensinamento final do protagonista e propõe uma reflexão interessante para o leitor. O perdão só acontece quando deixamos espaço para o Amor nos inundar por completo. É o que Mack faz quando começa a entender quem Deus verdadeiramente é.
Logo no primeiro encontro do protagonista com Papai, Deus diz que Mack não o conhece direito, mas que, com o tempo, vai conhecê-lo. E é exatamente esse o processo. Antes de nos relacionar, precisamos conhecer. E, então, tudo muda. As nomenclaturas deixam de importar tanto e os rituais também. Assim como acontece com Mack, o Amor simplesmente se torna um fluxo natural, infinito e transbordante. O nome que nós damos para isso não tem tanta relevância.
Contanto que sempre sigamos nosso propósito na Terra: viver em amor.
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